15 outubro 2007

Hélder Rodrigues

Boas novas. Qual “estrelinha” qual quê. Este homem é uma verdadeira galáxia.
Tudo aponta para que Hélder Rodrigues esteja à partida do Lisboa Dakar 2008. Hoje, numa excelente entrevista ao Público, Hélder mostra a fibra de que são feitos os grandes campeões. Depois do gravíssimo acidente na Patagónia Chilena, Hélder recusa virar a cara à luta e confessa as suas ambições para a maratona Africana. Destes, muitos, fazem sempre cá falta.
Com a devida vénia a Hugo Daniel Sousa e ao Público, a entrevista para ler na íntegra na caixa de comentários deste post.

1 comentário:

Pedro Soares Lourenço disse...

"Foi um erro mínimo que quase me custou a vida"
Aos 28 anos, Hélder Rodrigues recupera do mais grave acidente da carreira. Não pensou em abandonar e acredita que será o mesmo piloto
O motard português Hélder Rodrigues espera estar de novo em cima da moto dentro de um mês e meio, a preparar-se para o Rali Lisboa-Dakar, onde tentará melhorar a melhor classificação de sempre de um português nas motos (quinto lugar). Após o regresso a Portugal, depois do grave acidente sofrido no Rali da Patagónia, o motociclista de Sintra recorda ao PÚBLICO os momentos vividos no Chile. Assume o erro que causou o acidente e confessa que inicialmente não se apercebeu da gravidade da situação. Chegou a estar em coma induzido e foi operado três vezes, para retirar o baço, reparar uma clavícula fracturada e tratar
de um pneumotórax.
PÚBLICO - Passou pouco mais de um mês desde o acidente no Rali da Patagónia. Como é que recorda aquele momento?
HÉLDER RODRIGUES - O que aconteceu foi uma falha minha. Houve uma falha de roadbook, porque não acertei bem o conta-quilómetros. Era uma recta de mais de oito quilómetros e eu ia muito depressa, a 180 ou 190 km/h. O conta-quilómetros, que é ajustável, não estava bem acertado com o roadbook, porque quilómetros antes carreguei no botão alguns segundos a mais e como era uma zona muito rápida, em que tinha de ir a olhar sempre para a estrada, não me apercebi que atrasei o conta-quilómetros. Quando cheguei ao km 158,6, apareceu uma vala, que devia ser contornada, e não o fiz. Caí dentro desse rio seco.
Nem se apercebeu da vala?
Mesmo antes desse rio seco, apercebi-me de que alguma coisa estava errada. Antes de cair na vala, ainda travei a fundo até ao limite e tentei saltar a vala. A queda nem foi muito aparatosa, porque travei. Devo ter caído para aí a 60 km/h e o buraco não tinha mais de um metro de profundidade. Mas era como uma parede. Até caí em cima da moto. Depois não me lembro de mais nada. Minutos depois, lembro-me de estar no chão e de pensar: "O que é que estou aqui a fazer? Caí? Não pode ser. E o segundo lugar?" Levantei-me e tentei agarrar a moto, mas não consegui, porque tinha as costelas, a omoplata e o ombro fracturados.
E o helicóptero chegou tarde?
A primeira coisa que pensei quando estava no buraco foi que, se ficasse ali, o próximo piloto podia também cair e ainda me matava. Por isso, saí do buraco e encostei-me na estrada. Pouco depois, não sei quanto tempo, chegou outro piloto, o Jordi Viladoms, que chamou o helicóptero e ficou comigo uma hora e dez, até chegar o helicóptero, quando eu já estava com muitas dores.
O que é que um piloto pensa numa situação dessas, quando ainda por cima está numa zona inóspita?
Primeiro que tudo, pensei que tinha feito seis dias tranquilos, sem arriscar nada, que estava em segundo da classificação geral e que tinha deitado tudo a perder em dez segundos. A partir daí, vêm as dores. E comecei a pensar o que é que podia ter. Nunca fiquei muito assustado, porque não tinha a noção da gravidade da situação. Sentia dores nas costelas e no pé, que estava partido, mas pensei que era só isso. Não tive a percepção do perigo em que estava.
Quando é que chegou essa percepção do perigo?
Só quando acordei no hospital, já depois de ter sido operado. Mesmo quando fui a um primeiro hospital e viram o que tinha, fiquei um pouco nervoso, porque disseram que era grave e que tinha de ir para outro sítio, mas depois no helicóptero disseram-me que estava bem. Nunca pensei no pior, nem fiquei em stress. Nem me apercebi do tempo que demorei a chegar ao hospital - quatro horas.
Após o mês em que esteve no Chile, já conseguiu perceber o impacto do acidente na sua carreira? Acha que vai ser um piloto diferente?
Em mim não mudou nada, porque sei que quando voltar a andar de moto, passado um mês, serei o mesmo piloto. Neste caso foi um erro meu, um erro mínimo que quase me custou a vida. E acho que nós, os pilotos da frente, temos de aprender a navegar bem. Porque tudo foi uma falha de navegação, de interpretação do roadbook, que serviu para estar um mês no hospital e em perigo de vida.
Sente que arriscou demasiado?
Não. Era uma zona rápida, em que ia a 190 km/h, mas não havia buracos, nem pedras. Não ia a arriscar nada. Simplesmente no meio da recta havia um buraco, onde a moto não passava.
Já voltou a andar de moto?
Não. Já quis, mas ainda não posso. A moto ainda está a ser reconstruída e não estou em condições. Nem mesmo no dia-a-dia. Talvez daqui a uma semana consiga sentar-me na moto e andar devagarinho.
Como está fisicamente?
Muito mal. A minha capacidade pulmonar está muito em baixo, porque com a operação aos pulmões a minha pulsação ficou muito alta e canso-me muito. Mas penso que em dois meses recupero.
Pensou em abandonar o motociclismo e mudar de vida?
Não. Nunca. A vontade é sempre melhorar, recuperar o mais depressa possível, sentar-me numa moto e andar. Às vezes, nem sabemos por que caímos. Neste caso eu sei. É uma falha que não pode acontecer. É como passar um sinal vermelho. Não podemos passar um sinal vermelho e eu não posso cometer aquela falha.
Que ensinamentos retirou das provas em que sofreu acidentes?
Na Sardenha [em Maio] aprendi muito, na navegação. Esta deu-me a lição de que nunca posso andar com o conta-quilómetros atrasado. Não foi boa, mas foi uma experiência. Por exemplo, sobrevivi uma semana a alimentar-me de um pó que se mistura com água ou leite. E vou usar isso para me alimentar durante o tempo de corrida no Dakar, juntamente com bebidas isotónicas.
No enduro, não tinha muitos acidentes. E agora em poucos meses sucederam-se vários. Encontra alguma explicação?
No todo-o-terreno, não tenho tanta experiência e a velocidade é outra, logo o risco é completamente diferente. Não pode haver nada que me desconcentre. Outra das razões da minha queda foi também, 40 km antes do acidente, ter visto um outro piloto, que chocou com um camião. Fiquei afectado, porque ele queria arrancar e eu disse-lhe que não. Saí dali preocupado com ele e ia completamente na lua.
Quando voltar a correr a sério, acha que as preocupações vão ficar para trás?
Vão. No ano passado também caí em Outubro, na Baja de Portalegre, estive um mês e meio parado. E dessa vez nem sei por que caí. Fiquei muito mais traumatizado, porque, embora não tão grave, foi mais violento e nem percebi as razões da queda. Vamos ver agora.
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Pequeno destaque em caixa com fundo que também pode servir de legenda para a fotografia do lado esquerdo


"Quero ficar entre os três primeiros classificados no Dakar"
A época de Hélder Rodrigues está a ser muito atribulada. No ano em que entrou para a Lagos Sport e definiu um calendário de preparação específico para o Lisboa-Dakar, os acidentes graves bateram pela primeira vez à porta do piloto de Sintra. Em Maio, atropelou um javali no Rali da Sardenha e fracturou uma clavícula. Em Setembro, voltou a cair, ainda com maior gravidade, no Rali da Patagónia e esteve em perigo de vida. Mas a meta de Hélder Rodrigues continua a ser ficar entre os três melhores do Dakar este ano.
Quando voltará a andar de moto, em treinos ou competição?
Se tudo correr bem, dentro de um mês e meio. Penso que no início de Dezembro poderei voltar a treinar.
Espera ir ao Dakar?
Sim, claro.
O facto de a preparação ter sido alterada por este acidente, e também pelo outro no Rali da Sardenha, em Maio, leva-o a alterar os objectivos que tinha para o Lisboa-Dakar?
Não. Se começar a andar de moto em Dezembro, o meu objectivo é ficar entre os três primeiros e melhorar o quinto lugar do ano passado. É verdade que se for a este Dakar, estarei a 50 por cento, mas vou tentar navegar melhor, a moto anda muito mais e vou fazer o possível para compensar o que não fiz este ano, porque só andei no Rali da Sardenha, em que caí por causa de um javali, e no Rali da Patagónia. De resto, não andei mais, mas também tenho mais experiência no Dakar, porque já o fiz duas vezes. A estrutura da equipa também é melhor. Tudo isto ajuda.
E correr com uma moto mais potente, de 690 centímetros cúbicos, será uma vantagem ou os percalços que tem tido na preparação tornam mais perigosa esta mudança de moto?
O único inconveniente que encontro é a interpretação do roadbook ser mais rápida, porque esta moto chega aos 190 km/h. Uma de 450cc não passa dos 140 ou 150 km/h. Numa recta, a 150 km/h, ainda consigo olhar bem para o roadbook, nesta é mais difícil. É o meu único medo.
E daqui até Dezembro, como será a preparação?
Espero fazer bicicleta estática e algum exercício nas mãos. As minhas pulsações ainda estão muito altas, a 110 ou 120, a conversar ou a conduzir. Depois, quero andar muitos dias de moto e testar no deserto.
A sua carreira no futuro passa por onde?
Gostava de me concentrar no Dakar e, durante o ano, preparar-me para essa prova. Não quero fazer mais corridas no Chile, no Brasil. É demasiado longe de casa e perigoso. Prefiro ir ao Dubai e à Tunísia, em locais mais perto da Europa.
Acha possível um português ganhar o Dakar?
Então não acho. Se já fui nono sem sequer ter conta-quilómetros na moto e se já fiz quinto sem saber navegar bem, é possível vencer.


O "estrelinha" das motos
a Hélder Rodrigues tem 28 anos e quase 20 foram passados nas duas rodas. Aos nove anos, prenda do pai, já acelerava numa pequena moto; aos 11, recebeu a primeira máquina com mudanças; e, aos 14, fez a primeira corrida de motocrosse. E ganhou logo à primeira. A vitória na estreia e o título de campeão regional no ano seguinte, em 1995, valeram-lhe uma alcunha que o acompanhou no resto da carreira: o "estrelinha". O nome foi-lhe posto pelos pilotos mais experientes, espantados com o miúdo de Sintra (Aruil, 28/02/1979), que, anos mais tarde, continuava a mostrar dotes de predestinado.
Foi no Lisboa-Dakar de 2006 que se estreou na mais mediática prova de todo-o-terreno. E arrancou logo com um nono lugar, com uma moto de 450cc sem conta-quilómetros. No ano seguinte, voltou a destacar-se. Ganhou duas etapas e terminou em quinto, o melhor lugar de sempre de um português. Hélder Rodrigues atingia finalmente o reconhecimento nacional, fruto do mediatismo da prova euro-africana. Mas já não era um desconhecido no mundo do motociclismo.
O percurso de Hélder no enduro foi notável. Campeão nacional oito vezes consecutivas (entre 1999 e 2006), foi ainda campeão mundial júnior em 2000, vice-campeão mundial sénior e realizou outra série de bons resultados no Mundial de enduro - quarto classificado em 2002 e 2003 e sexto em 2004.
Agora, o enduro é apenas um dos passatempos de Hélder Rodrigues, que dá prioridade ao todo-o-terreno. Mas não esquece o que aprendeu nos caminhos e pistas da especialidade em que se destacou: "Nos meus primeiros dois Dakar, posso agradecer à experiência no enduro, onde aprendi a andar na areia, nas pedras, no piso duro, na selva e até na estrada. O Dakar acaba por ser um pouco disto tudo", diz o motard português, que abandonou os estudos no sétimo ano para se dedicar ao desporto que sempre quis praticar.
"Segui sempre o enduro e o motocrosse. Via pilotos como o Paulo Marques, o António Lopes e o António Oliveira. Ainda era miúdo e já dava assistência ao meu primo, que fazia enduro." Andar nas corridas de moto é mesmo "um sonho de muitos anos" para o "estrelinha". Hugo Daniel Sousa
Campeão nacional oito vezes seguidas, foi campeão mundial júnior em 2000 e vice-campeão mundial sénior